domingo, 22 de abril de 2007

o resultado final

Recebi uma carta "provinha de uma pessoa amiga de quem não me apetecia lembrar, quanto mais ler o que a dita pessoa escrevera. Fiz uma bola de papel com as duas missivas e atirei-a directamente para dentro do caixote do lixo.
"Conheço o Pedro desde que me conheço. Moravamos ambos na Travessa dos Arneiros, em Benfica, eu ca em baixo entre a oficina de sapateiro do senhor florindo e a carvoaria que vendia briquetes e vinho tinto.
"...era um conhecido general republicano... Aquele homem transpirava amor ao povo e à liberdade.- Embora o seu respeito pelo rigor dos factos fosse relativo", pois a sua vida tinha se transformado e neste momento " descobriu que a sua natureza tal como a do homem é má e de pura maldade hedionda" e disse -me " Deve deixar-se as unhas crescerem durante 15 dias. Oh, como é doce arrancar brutalmente da cama um menino que nada tem sobre o lábio superior,e, de olhos muito abertos, fingir passar-lhe suavemente a mão na testa, puxando-lhe para trás os lindos cabelos! Depois, quando ele menos esperar, enterra-lhe as unhas compridas no peito mole, de modo a que não morra; porque se morresse, não se teria mais tarde o espectáculo das suas misérias". Ja não o reconhecia e ".a temível questão dos limites que devem ser impostos aos poderes dos homem sobre o homem. Ora, nessa via, já não é a história das cosmologias ou das grandes religiões que nos pode servir, por si só, de fio condutor.

"Penso em que medida as nossas histórias pessoais não se entrepõem entre nós a estragar encantamentos e sintonias que às vezes pareciam a descoberta de um destino comum, preparado por uma fada bonita e amiga dos dois. Por isso é que é mais fácil amar fora das nossas rotinas: os encontros também são perturbados pelo peso do tempo, como se as coisas boas só pudessem acontecer ao lado dos enredos levantados pela memória."

Pego num livro pousado na mesa "Introdução à história da agricultura em Portugal" de A. H. de Oliveira Marques (1968, 2.ª Ed.) abro uma pagina ao calhas e leio as sua primeiras linhas «Entre o trigo e o centeio, a cevada exige terrenos leves e de mediana consistência, requerendo menos calor do que qualquer outro cereal.», fecho o e pego noutro compulsivamente repito o gesto e leio em voz alta "… Houve um texto (Trecho 207) rotulado "L. do D. (ou Teive?)", enquanto outros, embora assinados por Teive, foram deixados por Pessoa com o material que juntou para o Livro do Desassossego.", fecho o e vou ao espelho "Sem querer, noto o meu reflexo. Recuo dois passos e me contemplo como nunca antes o fizera. E descubro a curva do corpo, o meu busto ainda hasteado.Toco o rosto, beijo os dedos, fosse eu a outra,antiga e súbita amante de mim."

Paro e penso nos filhos dele "será que podem ser bons no desporto, no desenho, no trabalho comunitário? A fazer um part-time num emprego eventual? Então vamos estimulá-los a triunfar nalguma coisa, para que a sua auto-estima melhore um pouco e possam vencer o pesadelo das aulas" e do passado do pai.

Ando de um lado para o outro como a" registar os seus sentimentos de ansiedade e de fúria, bem como a memória dos ataques de pânico. Primeiro, obter os factos e, depois, perceber o seu significado" , marquei o encontro no bosque ao pé da fronteira tinha de acabar com isto. «ESPEREI AINDA.COMEÇAVA A DESCOBRIR-SE POR ENTRE AS RAQUÍTICAS ÁRVORES A SOBRA DUM CAVALHEIRO, QUE VELOZ SE APROXIMAVA DO MEU COVIL. JÁ VINHA PERTO, A TIRO DE ESPINGARDA.»

Sai dali a correr e enfiei-me no primeiro bar que encontrei e pensei "Todos os corpos dos bares, discotecas e das esquinas sombrias possuem algo de belo, imensamente sedutor e misterioso, seja um sorriso timido nos lábios pintados de vermelho duma rapariga obesa, ou o olhar medroso" de quem como eu tinha fugido a morte numa densa esquina.

Acordo que sonho tão irreal... e penso subitamente nomeus pais e na história de amor que inicou no "Rivoli. Meu Pai jurava que o amor antecedera o orgulho ferido, mas a ordem dos factores é arbitrária - apaixonou-se por ela e pronto! e busco as cartas trocadas e vejo que "Da correspondência que trocaram, restam as cartas de minha Mãe..."



obrigada a todos e se quiserem fazer um outro texto com estes trechos estejam a vontade ..

8 comentários:

Abssinto disse...

Muito bem, pensei que te ias "esquecer" de fazer o texto, mas tu não te intimidaste:)

bj

Mano 69 disse...

***** estrelas!

Anónimo disse...

Resultou bastante engraçado! Boa.

psique disse...

absinto eu não me esqueço dos mesu compromissos ... eh heh

Mano obrigada


Jaime idem ;)

tgv disse...

À espera de novos desafios...

Abssinto disse...

Já vi, já vi...;)

bj

Mónica disse...

apetece ler o resto :-)

Mónica disse...

tá muito bem! só n percebo é as duas missivas aqui:
"Recebi uma carta "provinha de uma pessoa amiga de quem não me apetecia lembrar, quanto mais ler o que a dita pessoa escrevera. Fiz uma bola de papel com as duas missivas e atirei-a"
afinal é uma ou são duas cartas?